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Evento em Belém (PA) promove debates sobre a sustentabilidade na cadeia de valor do açaí da Amazônia

Realizado pelo Diálogos Pró-Açaí, o encontro reuniu diversas frentes da iniciativa pública e privada em prol de uma causa que interessa a todos os paraenses.

28 de junho de 2023

Como contribuir para o desenvolvimento sustentável de uma cadeia que, para milhares de paraenses, representa segurança alimentar? Para responder essa e muitas outras questões foi realizado o evento “Açaí: força da sociobioeconomia amazônica”, nos dias 31 de maio, 1 e 2 de junho, em Belém do Pará. 

O encontro, realizado pela rede setorial multiatores Diálogos Pró-Açaí, teve como objetivo fornecer elementos para subsidiar a construção de políticas públicas e influenciar a adoção e aprimoramento de práticas de sustentabilidade do setor produtivo do fruto. Participaram dos debates representantes de órgãos estaduais e federais, da academia, de ONGs, comunidades tradicionais e indústrias, além de agroextrativistas. 

O diretor de projetos, cofundador do Instituto Terroá e representante da entidade na secretaria-executiva da rede, Luís Fernando Iozzi, comentou o papel do Diálogos Pró-Açaí no evento: “Buscamos conectar pessoas, instituições, pois sabemos que uma cadeia como essa pode ser cada dia mais sustentável, mais próspera, mais inclusiva. A ideia é que cada um possa olhar o setor que representa e pensar como ele poderia contribuir para avançar na temática.” 

Mais do que isso, o evento propôs reflexões que fossem além dos números de produção e exportação, abordando temas como condições de trabalho e as inúmeras especificidades que uma cadeia como a do açaí apresenta. “O processo carece de sustentabilidade, de informação. Acredito que hoje muitos dados oficiais de fato não representam a realidade. Precisamos aprofundar o debate para além da lente da bioeconomia. Temos um olhar sobre o açaí como cultura alimentar paraense, sem perceber o mundo de questões que ele engloba”, pontuou o Secretário adjunto da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS/PA), Rodolfo Zaluth Bastos. 

O representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, José Ivanildo, endereçou pontos importantes durante a sua fala na abertura do evento. “O açaí é uma espécie que conversa com a floresta, por isso, a população tradicional tem muita governança sobre ele. É um etnomanejo, com saberes e fazeres adquiridos por gerações. As novas tecnologias e instituições renomadas vêm e constroem, mas cabe a nós, das populações extrativistas, provocar o governo a formular uma política que garanta que essa produção continue conversando com a floresta”, comentou. 

O fato das políticas públicas historicamente não terem sido criadas para a economia da floresta também foi observado pelos participantes. “As políticas foram desenvolvidas para a soja, para o milho, para o monocultivo, que são importantes, mas muitas vezes não dialogam com a floresta. Precisamos pensar e criar novas políticas e mesmo fortalecer instrumentos como o PGMP-Bio”, exemplifica Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), referindo-se à Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade, que tem como um dos seus objetivos a garantia de renda ao agricultor familiar extrativista mediante a concessão de subsídio para vendas abaixo do preço mínimo. 

Para Ivanildo, é necessário um sistema de transporte adequado para o produto ganhar escala de mercado, regulação ambiental e fundiária dos territórios onde ficam açaizais, entre outros. “Não podemos admitir que quem produz o açaí ganhe menos de quem vende. Também é inadmissível a sociedade paraense pagar 30, 40 reais num quilo de polpa de açaí. Nós somos os maiores produtores, não podemos pagar tão alto num produto que é nosso. Além disso, o produto também não pode ter mais visibilidade do que os atores sociais”, concluiu. 

De acordo com o Embrapa, a cadeia do açaí movimenta hoje mais de 3,6 bilhões de reais na Amazônia. “Mas, o elo produtor, associações, cooperativas, extrativistas… Dificilmente esse valor fica com eles. Como podemos fazer uma repartição mais justa no decorrer da cadeia?”, questionou Tatiana Balzon, diretora de Projetos da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ). Para ela, o evento trouxe o desafio de não apenas mostrar problemas, mas também apontar soluções práticas para um mercado que vem crescendo 12% ao ano. “Isso é maior do que qualquer cadeia do agronegócio, com a diferença que a cadeia do açaí é importante para manter a floresta e os meios de vida das populações tradicionais. Existem ainda questões sanitárias, alimentares, tributárias. Tudo isso precisa ser debatido”, apontou. 

O evento e as discussões promovidas contribuem para a visão do Pará como pioneiro na bioeconomia. “O Pará tem a sua política estadual que é uma grande inspiração para nós da Secretaria Nacional, tanto no processo de formulação desta estratégia, que foi um processo participativo, mas também nos eixos que devem ser estruturados”, comentou Henry Novion, da Secretaria de Bioeconomia, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). 

O secretário de Estado de Agricultura Familiar, Cássio Pereira, trouxe para a mesa o conceito de “açaização”, que ocorre quando outras vegetações são retiradas para dar lugar aos açaizeiros, impactando o ecossistema e a produtividade da floresta. “Estamos aqui para olhar com muita atenção para as áreas de extrativismo e manejo para que isso seja tratado com o devido cuidado e seja duradouro. Hoje percebemos uma expansão por vezes incompleta, etapas iniciais bem implementadas e um sistema de produção que muitas vezes não acompanha, então é enxergar como as políticas públicas podem dar suporte para que a tecnologia que o Embrapa desenvolveu, por exemplo, possa ser utilizada de forma completa”, explicou. 

O chefe geral da Embrapa, Walkymário Lemos, reforçou a relevância do evento e a importância da floresta viva: “Ela pode ser um vetor de riqueza, de retirada, da pobreza e das nossas populações da invisibilidade." E realmente não há cadeia do açaí sem floresta, como pontuou Edmilton Cerqueira, Secretário Nacional Secretário de Territórios e Sistemas Produtivos Quilombolas e Tradicionais do MDA. “A floresta ameaçada é uma ameaça a todo o planeta. A possibilidade de um mundo sem ela indica automaticamente um mundo sem açaí. A floresta é a base de tudo e a instalação do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais discutirá esse e muitos outros temas, o MDA continua nesta luta”, concluiu. 

Debate aponta desafios e soluções 

Rastreabilidade, sazonalidade, assistência técnica, logística, pesquisa e desenvolvimento, entre outros. Na primeira mesa redonda realizada durante o evento “Açaí: força da sociobioeconomia amazônica”, foram debatidos os principais vetores para a sustentabilidade na cadeia de valor do fruto, com moderação de Anderson Sevilha, pesquisador do Embrapa.

Nas falas dos palestrantes, diversas problemáticas foram levantadas, mas uma unanimidade diz respeito às condições de trabalho e questões de Direitos Humanos que circundam a cadeia, com identificação de trabalho escravo, infantil e até mesmo abuso sexual. “Como vamos combater isso? Com trabalho, com formação, com educação, com as políticas dentro da comunidade. As mulheres sabem que elas precisam ter um canal de comunicação e de denúncia, isso deve ser pensado para toda a cadeia”, pontuou Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai.

Nós sofremos violência com a invasão dos nossos territórios. Nós sofremos violência quando não há um investimento na política pública de fortalecimento para as mulheres. Quando não há repartição de recursos de forma justa, que chegue até as comunidades. E nós, mulheres, precisamos ser vistas, enxergadas e respeitadas enquanto componente do ser humano e também defensoras da Amazônia”, ressaltou a agroextrativista e líder comunitária Gracionice Correa.

O engenheiro florestal José Antônio Leite explicou que considera a sazonalidade ainda um dos maiores problemas na produção do açaí, que costuma se concentrar no segundo semestre. “Mas nós também estamos resolvendo esse problema, pois a nossa proposta de manejo de mínimo impacto tem uma grande vantagem: além da conservação da diversidade, permite a ampliação do período de safra, podendo produzir açaí durante o ano todo. Além da criação dos Cultivares de açaí para a Terra firme, lançados pela Embrapa, o BRS Pará e o BRS Pai d’Égua.”

 O professor Hervé Rogez, da Universidade Federal do Pará (UFPA) trouxe um retrospecto de publicações da academia relacionadas ao açaí, apontando que ainda é preciso fazer mais: “Precisamos nos voltar para temas essenciais como a erradicação da pobreza, a igualdade de gênero, a qualidade do açaí e das águas, mudanças climática, etc. Da mesma forma podemos atuar junto à indústria, desenvolvendo novas formas de despolpar o açaí com menos água, por exemplo.”

“Acredito que precisamos ver toda a cadeia com um grande sistema e integrar todas as vozes, do pequeno produtor à grande indústria: política de incentivo, questão do ICMS, licenciamento ambiental. Quem está operando com mais de 100 toneladas, pode vir e abrir seu processo no órgão ambiental. Eu me comprometo a analisar prioritariamente a regulação ambiental dos pequenos que fornecem para a cadeia do açaí, vamos juntos, dialogando”, concluiu o Secretário adjunto da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS/PA), Rodolfo Zaluth Bastos.

O evento, ao longo do seu primeiro dia, também discutiu, em mesas setoriais, estratégias e recomendações para a sustentabilidade da cadeia de valor do açaí, por meio do documento em processo de construção colaborativa intitulado “Caderno de Recomendações para a Sustentabilidade da Cadeia de Valor do Açaí”, fruto do trabalho da rede Diálogos Pró-Açaí empreendido nos últimos anos. As mesas foram realizadas, ainda, no segundo e terceiro dia a partir da construção de estratégias multissetoriais para sua implementação. A publicação deve ser lançada ainda em 2023.

Diálogos Pró Açaí

A rede setorial multiatores Diálogos Pró-Açaí foi criada em 2018 para promover debate qualificado em prol do fortalecimento e da sustentabilidade desta importante cadeia da sociobiodiversidade. A iniciativa se originou do projeto Mercados Verdes e Consumo Sustentável, uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ), contando com o apoio do Instituto Terroá. Atualmente, o projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor apoia a iniciativa.